Francesco Bindella
FOME DA PALAVRA
Ia Semana de Mobilização Científica
da Universidade Católica do Salvador
Texto
do Minicurso
Collectio Praesidium Bahiense n. 2
Edições São Bento; Salvador
Bahia, 2004; pagg. 88
Síntese
«Fome da Palavra» - da Palavra «de Deus» - é o título do nosso Minicurso
que saiu como uma das possíveis respostas à pergunta: «Fome de quê?», título geral e programático desta VIa
SEMOC (Semana de Mobilização Científica da Universidade Católica do Salvador).
Vai logo
aparecer - e não menos surpreender - esta direta correlação entre Palavra e Fome que parece até paradoxal, sendo duas categorias sem aparente
relação. Falar de «Fome da Palavra» significa reconhecer a esta Palavra um valor
‘alimentar’ ou ‘nutricional’; significa também reconhecer uma apetibilidade e,
portanto, um ‘sabor’ a esta Palavra, sabor que pode ser doce ou amargo, agradável
ou não, satisfatório ou não.
E aqui se coloca
o próprio objetivo deste Minicurso. A nossa pesquisa será claramente relativa
ao âmbito bíblico e - a este respeito - a
questão preliminar que deveria ser considerada, será se «Fome da Palavra» é categoria bíblica em sentido próprio.
Neste caso, não
teria receio de antecipar uma resposta que acredito, sem dúvida, positiva à luz
dos vários textos bíblicos que tratam de forma explícita deste assunto. E’
quanto agora iremos considerar.
Quanto à questão
metodológica, o nosso intuito - assim como em todas nossas obras - é sempre
aquele de associar o compromisso científico na análise dos textos com o
compromisso de aprofundamento espiritual. Uma metodologia "complementar", portanto, e ao mesmo tempo - e por mais
que possível - unitária.
Em relação ao tema específico do
nosso Minicurso, o itinerário de desenvolvimento aqui previsto, irá conceder
amplo espaço também ao relacionamento da Palavra com o Nome, dentro do âmbito
conceitual bíblico, podendo ser ampliado nos termos: Fome da Palavra, Espera do Nome e encontrando-se, na parte final,
como o tema bíblico da ‘deificação’.
Apresentação
da Prof. Judite P. Mayer*
Desde
o início, o tema «Fome de quê?», da VI Semana de Mobilização Científica
da Universidade Católica do Salvador, fez com que o Instituto de Teologia sonhasse
com a possibilidade de apresentar um mini-curso sobre a «Fome da Palavra de
Deus». Foi assim: «Uma
palavra certa, na hora certa e do jeito certo», como diz Pe. Zezinho.
Aconteceu entre o sonho e sua realização, a possibilidade: encontramos pela
primeira vez o professor Francesco Bindella. Fizemos-lhe a proposta de
participar da VIa SEMOC. A resposta ao convite se encontra no belo
texto, aqui oferecido, que nos desafia a prestar atenção nas pequenas
diferenças. Elas estão escondidas nas entrelinhas das Sagradas Escrituras.
Ao
contemplá-las, vamos percebendo um novo sabor nutrindo a fome que buscamos saciar:
o descobrir que entre encontrar e achar existe uma diferença que supõe o reconhecer; passear nas entrelinhas do
texto, indo da palavra à voz, da voz ao nome, do nome ao ser, da proclamação do
Nome que nos conduz, na Encarnação, à Palavra como declaração do amor e misericórdia.
E
o autor nos aponta: «Comer é assimilar ... assimilação da substancialidade
da Palavra faz viver no plano do Espírito». Como não foi diferente no
deserto, quando o Senhor conduziu seu povo «sem que as vestes envelhecessem
e os pés inchassem» (Dt 8,4), dando-lhe no tempo certo e, na medida certa,
o maná, assim também, não será diferente durante o passeio que nos conduz
Francesco.
Vamos
aprendendo a bem ruminar a Palavra e dela tirar o que de melhor encerra para
alimentar nossa vida de proximidade com o Nome. Aos poucos vamos degustando a
novidade da Palavra que é uma só.
No
primeiro livro desta série, prof. Giorgio falava do texto como «tira-gosto
que desperta o apetite». Dando continuidade ao trabalho iniciado, diríamos
que no segundo da série iniciamos a refeição. Temos certeza que os
participantes do mini-curso o esperam com voracidade prevendo a possibilidade
de revisitar o momento em que pela primeira vez provaram desta refeição.
É
pois, com prazer, que apresentamos o alimento que nos oferece o professor
Francesco Bindella desejando que ele possa contribuir para satisfazer, em
parte, a fome inesgotável que sentimos, na busca do Deus que se entrega a nós
como Palavra desde a Criação, e que em plenitude se revela na Encarnação desde
o momento da anunciação.
Salvador, 25 de março de 2004
* Diretora do Instituto de Teologia da Universidade Catolica do Salvador
Recenção
da
Revista «Análise & Síntese», Revista
de Filosofia e Teologia do Instituto Teologico S. Bento, Ano II-2003, n. 4,
Salvador
Bahia; autor
Dom Gregório Paixão OSB.
“Fome da
Palavra", originalmente
apresentado no VI Semana de Mobilização Científica Universidade
Católica do Salvador, faz parte da "Collectio Praesidium Bahiense” de textos que, como a correspondente italiana
"Collectio Praesidium Assisiense"
procede a uma revisitação de temàticas
bíblicas , teológicas e espirituais a partir do fundamento bíblico do
nome divino “EU SOU”.
Mais uma
vez, Francesco Bindella supera
nossas expectativas, trazendo-nos novidades sobre
o tema do Nome e, principalmente, esclarecendo questões estilísticas fundamentais no
que tange às traduções apresentadas nas diferentes traduções do texto
sagrado.
Para
completar seu trabalho, vemos, em apêndice, um
estudo profundo sobre o texto da anunciação do Anjo a
Maria quando o autor mais uma
vez direciona nosso olhar sobre um dos textos mais caros ao
cristianismo.
Portanto, o referido
texto é uma leitura obrigatória para os que desejam se aprofundar nas
Sagradas Escrituras.
ÍNDICE
Apresentação
Introdução
Parte Primeira
Fome Da Palavra - Espera Do Nome
Capítulo I°
FOME
DE PÃO, FOME DE PALAVRA
§ 1. «Nem só de pão ...»
§ 2. ‘Substancialidade’
da Palavra bíblica
Capítulo II°
A
“COMIDA” DAS PALAVRAS
O texto de Jeremias 15,16
§ 1. As
Palavras “achadas”
§ 2. A
“comida” das Palavras’
§ 3. Conseqüências
do comer: «exultação e alegria»
Nota sobre o conceito bíblico de “transcendência”
§ 4. A
«chamada do Nome»
e
a ordem de relação entre Nome e Palavra
§ 5 A
constante bíblica da antecedência do Nome-raiz
em relação à Palavra-Fruto
Capítulo III°
NOME
- VOZ - PALAVRA
SINTAXE
BÍBLICA DA LINGUAGEM
§ 1. Entre
o Nome e a Palavra: a Voz
§ 2. «Eu Sou» Palavra
A Voz: declamação do Nome;
A Palavra: declaração do Nome
§ 3. A
pergunta sobre a Palavra que tem poder:
Lc 4,36-37
Conclusões
§ 4. Fome
da Palavra, ‘Espera’ do Nome
Parte Segunda
Fome da palavra
Na perspectiva bíblica da ‘deificação’
Capítulo IV°
COMIDA
DO FRUTO DEL 'LENHO'
E
PROMESSA DE ‘DEIFICAÇÃO’
§ 1. Comida
do fruto do ‘lenho’ do Éden
e conseqüências
§ 2. O
projeto da 'deificação' na Escritura
§ 3. O
'outro' projeto de deificação
e
o diferencial representado pela kénosis
§ 4. «Ser como Deus»: ambivalência de ‘pecado original’
e ‘deificação’
Nota sobre o «pecado original» na
catequese e
pregação cristã
§ 5. A
‘pedra’ e o ‘tijolo’:
o
projeto original e sua imitação
Excursus:
Sobre a logica das tentações
e sobre o discernimento entre o Bem e o Mal,
o Verdadeiro e o Falso
§ 5. O
Fruto do novo 'lenho',
a
cumprimento da Fome da Palavra
Capítulo V°
O
TEMA DA ‘DEIFICAÇÃO’
NA
PERSPECTIVA BÍBLICA
E NA
TRADIÇÃO MÍSTICA OCIDENTAL
§ 1. O
tema da ‘deificação’ na perspectiva bíblica
§ 2. O
tema da deificação na tradição Mística ocidental
«Ser por graça aquilo que Deus é por natureza»
§ 3. A
lógica do amor
a)
O amor que «iguala os amantes»
b)
O amor que torna ‘inferior’ quem mais ama
c) O «Deus
de Deus»
Apêndice
SABOR
E VITALIDADE DA PALAVRA ORIGINAL
EM
RELAÇÃO ÀS TRADUÇÕES
Ensaio: «Kekharitôméne»:
o 'Nome' de Maria na Anunciação
(Lc 1,27-28)
Introdução
O texto de Lucas 1,28-29
a) A «entrada» do Anjo
b) "Kháire"
c) "Kekharitôméne"
d) O
Nome 'de' Maria
e) A
Palavra da 'saudação' e sua
causalidade
f) A
reformulação da experiência da Palavra,
entre 'inquietação' e 'exultação'
g) A pergunta de Maria e sua
implícita intencionalidade
Da Introdução
Uma das referências mais famosa ao
tema da «Fome da Palavra», e que todo mundo certamente conhece, é
contida naquele texto evangélico que representa a resposta de Jesus ao desafio
da primeira tentação:
«Nem
só de pão viverá o homem,
mas
de toda a palavra que sai da boca de Deus»
(Mt
4,4 > Dt 8,3).
Os termos
da tentação são notórios: «Se tu és o
Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães» (Mt 4,3). O
sentido bíblico da tentação é, substancialmente, o de aceitar e secundar
uma «lógica de homens» (ta; tw' ajqrwvpw) em lugar
de uma «lógica de Deus» (ta; tou' qeou). A lógica
de homens é uma lógica de apropriação, a lógica de Deus passa
sempre pelo ‘esvaziamento’ da kénosis (Fl 2,1-10). Jesus
chama de ‘Satanás’ Pedro quando queria impor-lhe uma lógica de homens
que não passasse pela kénosis, expressiva da lógica de Deus (Mc 8,33). (Tudo isso
retomaremos no Cap. IV,
§ 3).
O texto vai colocar uma questão
fundamental de antropologia bíblica: ninguém duvida da necessidade elementar
pelo homem de se sustentar, de ‘viver’ de pão; o que Jesus vai acrescentar aqui
é a necessidade igualmente essencial de viver de outro tipo de pão representado
pela Palavra, a Palavra que - com uma citação literal da antiga Torá: Dt 8,3 - «sai
da boca de Deus».
A
esta Palavra Jesus atribui um poder ‘alimentar’, ‘nutricional’, comparável
àquele do pão.
Nem, na sua resposta, Jesus quer
enfatizar a necessidade do primeiro tipo de pão, sendo coisa até mais elementar.
O que ele quer enfatizar é a necessidade do segundo alimento: a Palavra, como
de uma necessidade igualmente elementar e imprescindível do homem.
Dentro deste quadro antropológico-bíblico,
um homem que tem fome só de pão, seria um homem que não conhece (ou não conhece
ainda) a sua verdadeira e completa dimensão que é uma dimensão não apenas de imanência e sim de transcendência.
A diferença entre uma antropologia
bíblica e uma antropologia ateísta ou simplesmente imanente se poderia
reconduzir à diferença entre um homem que está com o céu aberto sobre ele, e um
homem que está com o céu fechado, que mora dentro do espaço limitado dos seus
quartos como único espaço e horizonte de vida. E vive a sua vida passando de um
quarto a outro, debaixo do céu do seu teto. A fome que ele tem e que ele
conhece, é fome de pão, do pão do padeiro.
Para
o homem bíblico, que tem aquele espaço ilimitado sobre si, a fome não se
restringe ao primeiro tipo de pão, a sua procura é também relativa a outro tipo
de pão, o pão da Palavra.
Nessun commento:
Posta un commento