"EHJEH 'ASER 'EHJEH"
'SOU QUEM SOU'
Na fé hebraica e cristã e
também islâmica, a revelação do Nome divino “EHJEH ‘ASER ‘EHJEH” = “SOU AQUELE
QUE SOU” na teofania da ‘sarça ardente’, representa em todo o arco do Antigo
Testamento o degrau supremo da revelação que o Deus de Israel tinha participado
ao homem. Também, dos vários nomes divinos veterotestamentários: ‘ELOHIM, JHWH,
EL SHADDAY, etc, ele é o único que tinha sido objeto de uma revelação
específica já que, em todo o arco da Escritura, nunca mais ele recorrerá nesta
sua completa formulação.
Desde o início desta pequena
exposição, será conveniente recordar a importância significativa que o nome
apresentava no âmbito da cultura hebraica e no uso bíblico. Mais do que um
apelativo convencional linguístico, ele era considerado como expressivo da
íntima essência da pessoa (ou coisa) designada, tanto que podia manter-se
válido o dito: “Dize-me como te chamas e eu te direi quem és”, ou então: “A
pessoa é como se chama”.
Um exemplo emblemático,
comumente aduzido, é aquele de Nabal que significa ‘estulto’: “Nabal é o seu
nome – lê-se em 1Sm 25,25 – e estultícia (nebalah) está com ele”.
Desde o início do texto
bíblico, os nomes pessoais apresentam um significado essencial, são expressivos
da natureza íntima da pessoa designada e do particular papel que ela exerce no
quadro da ‘história salutis’ (assim Eva: Gn 3,20; Caim: Gn 4,1; Noé Gn 5,29; a
cidade de Babel: Gn 11,9 etc).
As histórias dos patriarcas
apresentam explicações etimológicas abundantes: Isaac recorda a risada de
Abraão (Gn 17,17) e Sara (18,12;21,6); Jacó é aquele que astutamente agarra o
calcanhar (Gn 25,26; 27,36; Os 12,4) e o seu irmão Esaú se chama Edom, porque
era avermelhado (‘adômî: Gn 25,25) e tomou a ‘sopa avermelhada’ (25,30).
“Podemos assim dizer – escreve
H. Bietenhard à conclusão de um exame sobre o significado do nome para as
outras religiões em geral - que o nome é uma potência estritamente conexa com
aquele que o carrega e que faz conhecer a essência; quando o nome é prenunciado
ou invocado, a energia potencial de que é composto se transforma em energia
atual”. “O nome não é somente uma designação; é a essencialidade reduzida à
palavra”.
Há inclusive, alguns casos em
que o próprio JHWH intervém para mudar o nome a um eleito: é o caso de Abraão
(de ‘Abram a ‘Abraham: Gn 17,5), Sara (de Saray a Rarah: Gn 17,15) e de Jacó
(de Ya’aqob a Yisra’el: Gn 32,28), enquanto para Isaac dá-se a imposição de
nome no nascimento (Yitschaq Gn 17,19).
Há Também o caso, único, de
mudança de nome a uma cidade: Jerusalém em perspectiva escatológica (Is 1,26;
62,2; Zc 8,3) e que, em relação a Abrão, Isaac, e Jacó, será dita “preparada
por Deus para eles” (Hb 11,) qual objeto de sua herança, a eles associada o dom
de um nome novo.
A mudança de nome a um homem
por parte de Deus na Escritura é, ao mesmo tempo, profecia e investidura de
fundação pela qual o eleito é constituído fundador e chefe em sentido orgânico:
fundador de uma instituição de origem divina destinada a penetrar e a se
perpetuar na história elevando-a a ‘história de salvação’; chefe, no sentido
que tal direta iniciativa divina impõe uma ordem salvífica orgânica pela qual o
eleito se torna lugar de incorporação para as multidões.
Em consequência do evento de
‘nominação’, ou seja, do dom do nome novo por parte de JHWH a Abraão (‘um’ com
Sara > Is 51,2; Hb 11,12), Isaac e Jacó, estes virão a constituir (aquela
que temos definido) a ‘tríade de fundação da aliança’, lugar eleito de
incorporação para as multidões que deles teriam descido. Em relação a eles,
construídos na nova identidade e dignidade representada pelo dom do nome novo,
“Deus – acrescentará ousadamente a Carta aos Hebreus – não se envergonha de ser
chamado ‘Deus deles’” (Hb 11,16).
O
nome na magia
Também na magia, em todos os
tempos, atribuiu-se grande importância ao nome. Conhecer o verdadeiro nome,
quando mais este nome seja inefável como o nome de um ser celeste e
pronunciá-lo em determinado rituais mágicos, confere ao mago o poder evocativo
sobre a potência numinosa do deus e lhe consente adquirir e dispor, segundo o seu
arbítrio, da mesma potência que o faz capaz de dominar o deus mesmo. Por isso s
nomes habituais dos deuses, especialmente na área cultural do antigo Egito, não
são os verdadeiros nomes, os nomes de ‘essência’.
Diz, por exemplo, o deus
supremo do Pantheon egípcio em um mito: “Eu tenho muitos nomes e muitas
formas... Meu pai e minha mãe disseram-me o meu nome mas este está selado
dentro do meu peito a fim de que nenhum mago ou feiticeira adquirisse poder
sobre mim”...
O
nome na literatura contemporânea
Destacamos a obra: “A História
Infinita” de Michael Ende, concebida e estruturalmente centrada no valor
essencial do Nome; parábola moderna da “criação submetida à vaidade”, ou
melhor: “à vacuidade” (Rm 8,20). A salvação da pequena Imperatriz doente e do universo
que lhe é solidário na mesma doença, está ligada ao dom de um nome novo que só
um ‘filho do homem’ lhe poderá oferecer.
Consequências
hermenêuticas
As consequências hermenêuticas
que podem advir de tal princípio: “Uma pessoa é o seu nome” (Bietenhard),
entendido em sentido restrito, são – é apenas o caso de ressaltar – de grande
importância. Geralmente estas induziriam a reconhecer uma fundamental
correspondência e recíproca resolução entre ontologia bíblica e ‘onomatologia’.
No caso particular da revelação
do Nome divino ‘na sarça’, estas representariam uma premissa seguramente
favorável a reconhecer esta revelação no valor de revelação ‘essencial’ ou
hypostasis, quando se deva entendê-la em sentido positivo e não (como gostariam
de sustentar alguns exegetas) em sentido ‘evasivo’ ou até como recusa a
responder à pergunta de nome. Como ulterior consequência – não menos rigorosa e
linear – isto comportaria para a ciência bíblica e a teologia dever enxergar à
revelação do Nome divino como a lugar teológico e hermenêutico primeiro e
principal.
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